Melhorar o ensino, segundo Desidério Murcho

Transcrevo aqui parte de um artigo de opinião que faz um bom diagnóstico do ensino em Portugal e aponta estratégias prioritárias para intervenção. Estamos na presença de um exercício crítico, realista e pertinente do actual pântano educativo que actualmente vivemos.
"(...) Quando se imagina como seria o ensino hoje se nenhuma reforma se tivesse feito - excepto a natural actualização dos conteúdos dos programas -, não se vê o que estaria pior comparando com o que efectivamente temos.
(...) Temos reformas que se sucedem, mas o trabalho de qualidade, quando é feito, passa ao lado dos responsáveis educativos, até o vêem com maus olhos.
Como se melhora então o ensino? Com dois tipos de coisas, e ambas são demasiado humildes e quotidianas para serem mediáticas e consequentemente são desinteressantes para os políticos. Em primeiro lugar, melhora-se o ensino escrevendo e traduzindo bons livros, para estudantes e professores, com uma linguagem clara e directa, e que sejam cientificamente sólidos e didacticamente lúcidos. (...)
Em segundo lugar, estimulando uma mentalidade que permita a professores e estudantes melhorar o seu trabalho. (...)
Finalmente, é preciso abandonar o preconceito aristocrático segundo o qual os pobres são geneticamente idiotas e por isso só podem interessar-se por rap e jogos de computador, mas não por medicina ou astronomia. Os exames de fantasia e a eliminação das disciplinas e dos conteúdos 'difíceis' resultam deste preconceito quase racista. Se abandonarmos este preconceito, fazemos então a pergunta educativa crucial: 'Como mostrar aos estudantes culturalmente carenciados a importância de coisas de que eles infelizmente nunca ouviram falar em casa?' E uma parte da resposta leva-nos outra vez para a importância dos livros; livros de contornos bem definidos, com uma linguagem simples, acessíveis, mas cientificamente rigorosos e capazes de transmitir o gosto pelo estudo. É disso que precisamos no ensino, e não de reformas."
Desidério Murcho, Jornal Público, 27/01/2009