Em vez de ter apenas um cérebro na cuba, podíamos imaginar que todos os seres humanos (talvez todos os seres sencientes) são cérebros numa cuba (ou sistemas nervosos numa cuba no caso de alguns seres apenas com um sistema nervoso mínimo considerado já como "senciente"). Naturalmente, o cientista perverso teria que estar de fora - estaria? Talvez não haja nenhum cientista perverso, talvez (embora isto seja absurdo) aconteça simplesmente que o universo consista num mecanismo automático cuidando de uma cuba cheia de cérebros e sistemas nervosos.
Agora suponhamos que o mecanismo automático está programado para nos transmitir uma alucinação colectiva, em vez de uma quantidade de alucinações individuais não relacionadas. Assim, quando me parece estar a falar consigo, a si parece-lhe estar a ouvir as minhas palavras. Evidentemente, não é o caso de as minhas palavras atingirem realmente os seus ouvidos – porque você não tem ouvidos (reais), nem eu tenho uma boca e língua reais. Antes, quando eu produzo as minhas palavras, o que acontece é que os impulsos eferentes deslocam-se do meu cérebro para o computador, que ocasiona que eu “ouça” a minha própria voz pronunciando essas palavras e “sinta” a minha língua mover-se, etc., e que você “ouça” as minhas palavras, me “veja” a falar, etc. Neste caso, estamos, num certo sentido, realmente em comunicação. Não estou enganado sobre a sua existência real (apenas sobre a existência do seu corpo e do “mundo externo” fora dos cérebros). De um certo ponto de vista, nem sequer importa que “o mundo inteiro” seja uma alucinação colectiva; porque, afinal, você ouve realmente as minhas palavras quando eu falo consigo, mesmo que o mecanismo não seja o que supomos que ele é. (Evidentemente, se fôssemos dois amantes fazendo amor, em vez de apenas duas pessoas levando a cabo uma conversa, então a sugestão de que se tratava apenas de dois cérebros numa cuba podia ser perturbadora.)
Quero agora pôr uma questão que parecerá muito tola e óbvia (pelo menos para algumas pessoas, incluindo alguns filósofos muito sofisticados), mas que nos levará a autênticas profundezas filosóficas bastante rapidamente. Suponha-se que toda esta história era de facto verdadeira. Poderíamos nós, se fôssemos assim cérebros numa cuba, dizer ou pensar que o éramos?
Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1992, pp. 28-29.